Pandemia e as multas de trânsito acumuladas

Não é novidade que o funcionamento de diversos serviços, direta ou indiretamente, foram afetados pela pandemia do coronavirus (covid-19). Alguns destes, com prejuízos logo percebidos, outros, com desdobramentos futuros. 

Na administração pública brasileira que trata dos serviços relacionados a condução de veículos automotores foram suspensas, entre outras, as renovações das carteiras de trânsito, a transferência de propriedade de veículo adquirido e o registro e licenciamento de veículos novos.

A causa de maior efeito negativo para os condutores de veículos está racionada a suspensão das notificações de automações (NA). Afinal, como recorda-se de uma suposta infração de trânsito cometida há meses? Quem conduzia o veículo naquela situação? 

Prazo legal para emissão da NA

Não é à toa que a emissão da NA possui prazo legal, de trinta dias, a contar da data da infração, para ser emitida (Art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB), sob o efeito de tornar a atuação insubsistente.

Esse prazo foi colocado na LEI Nº 9.503/1997 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) pela LEI Nº 9.602/1998. Permite minimizar o efeito do tempo sobre as necessidades e os diretos primordiais do condutor, em defender-se da aplicação de eventual penalidade injusta, e do proprietário do veículo, em indicar o condutor para efeito da penalidade de pontuação na carteira de trânsito. 

O que mudou com a pandemia

Os proprietários de veículos no Brasil que tiveram alguma infração de trânsito anotada em 2020 começaram a receber as NA logo no início de 2021. Ou seja, as fiscalizações não foram suspensas. As autuações continuaram a serem efetuadas, apesar dos proprietários de veículos não receberem as devidas NA, como previsto em Lei.

O proprietário irá perceber que, além da data de emissão ser de 2020, a NA menciona a Resolução CONTRAN nº 805 de 16/11/2020. Por meio dessa resolução, em seu Art. 5, reestabeleceu-se o prazo para emissão das NA decorrentes de infrações cometidas de 26/02/2020 a 30/11/2020. Voltou a valer o prazo de trinta dias previsto no Art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB, ora tratado como se tivesse sido suspenso. 

Pela página que contém todas as resoluções do CONTRAN, essa não teria sido a primeira que fora emitida relacionada à pandemia. O texto da própria Resolução nº 805 menciona, ao revogá-la, a existência da Resolução nº 782, de 18/06/2020

Deste modo, por meio dessas duas Resoluções, temos o entendimento cronológico do que fora decidido em relação a emissão das NA em decorrência da pandemia.

Resolução nº 782

A partir de 20/03/2020, “para cumprimento do prazo máximo de trinta dias, determinado no inciso II do parágrafo único do art. 281 do CTB e no art. 4º da Resolução CONTRAN nº 619, de 2016, a expedição da notificação da autuação poderá ocorrer com sua inclusão em sistema informatizado do órgão autuador, sem a remessa ao proprietário do veículo.”;

“Tão logo seja revogada esta Resolução, a autoridade de trânsito deverá providenciar o envio das notificações de autuação, decorrentes de infrações praticadas desde 20 de março de 2020, contendo a data de término da apresentação de defesa da autuação e de indicação do condutor infrator, nos termos da Resolução CONTRAN nº 619, de 2016.”

Essas medidas, a vigorarem a partir de o1/07/2020, prevalecem sobre as notificações de autuação, decorrentes de infrações praticadas entre 26 de fevereiro de 2020 e 19 de março de 2020, e que ainda não foram expedidas.

Resolução nº 805

Esta Resolução revoga a anterior (782) e retoma o prazo para envio das NA sobre as infrações cometidas a partir de 01/12/2020. Para as infrações cometidas entre o período de 26 de fevereiro de 2020 a 30 de novembro de 2020 estabelece um cronograma com datas de emissão das NA, distribuídas entre 01/01/2021 e 30/09/2021.

Indústria das Multas

A penalização de um condutor por infração ao CTB dá-se, em último meio, pela aplicação de multa pecuniária. Obviamente que o seu objetivo não deve ser arrecadatório, mas sim, educativo.

Sobre a situação imposta em 2020 relacionada a pandemia, o efeito trazido sobre as infrações de trânsito pelo período em que os proprietários dos veículos ficaram sem o recebimento da NA é meramente arrecadatório.

No Brasil, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), subordinado ao Ministério da Infraestrutura, possui suas atribuições conferidas pelos incisos I, VII, VIII, X e XV do art. 12 e o art. 106 da do CTB.

A ação de suspensão do Art. 281, parágrafo único, inciso II do CTB promovida pela Resolução CONTRAN nº 805 de 16/11/2020 descumpre a competência do CONTRAN exatamente em zelar pela uniformidade e cumprimento do CTB (Art. 12, inciso VII do CTB), além de ferir gravemente o Art. 61 da Constituição Federal.

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

O CTB teve o seu Art. 281 suspenso por mero ato administrativo. Além do mais, a Resolução colocada em vigor a partir de 1º de dezembro de 2020 (Art. 19) retroage o seu efeito para o período de 26 de fevereiro de 2020 a 30 de novembro de 2020. Este ato transgride sobre segurança jurídica básica, em que a lei, fonte primária do direito, não pode retroagir para prejudicar ato jurídico perfeito, como estabelece princípio constitucional expresso e com prevê o Art. 6º do Decreto-Lei 4.657/1942.

Na primeira Deliberação sobre o assunto o próprio CONTRAN reconhece e ressalta a necessidade do “cumprimento do prazo máximo de trinta dias, determinado no art. 281, parágrafo único, inciso II, do CTB, e no art. 4º da Resolução CONTRAN nº 619, de 06 de setembro de 2016”. Nessa ocasião, deliberou pela necessidade de expedição da NA ocorrer apenas com sua inclusão em sistema informatizado do órgão autuador, sem remessa ao proprietário do veículo.

Em assim sendo, os proprietários de veículos deveriam ter as RA nos prontuários de seus veículos. Isso não foi cumprido, tanto é que essa deliberação foi revogada.

Efeitos causados pela Resolução CONTRAN e como revertê-los

A conclusão é que, devido ao longo prazo entre a data da suposta infração de trânsito e a emissão da NA, a defesa e / ou a indicação do Condutor Infrator tornaram-se prejudicadas. Nessas condições, fica pouco provável lembrar quem conduzia o veículo e as condições em que se conduzia, na época e no local indicados pela NA. A punição torna-se assim meramente arrecadatória.

Essa situação ainda causará aos condutores um acúmulo de pontuação em suas carteiras de habilitação e de multas a serem pagas, em um momento tão delicado para a economia das famílias, afetadas por causa da pandemia.

Espera-se que haja a revogação da Resolução nº 805, revertendo as NA desse período em advertências ao invés de multas e pontuações nas carteiras de habilitação. Enquanto isso não ocorre, cabe aos proprietários de veículos que sentirem-se impossibilitados de recordarem o condutor e / ou reconhecerem o momento de ocorrência da suposta infração de trânsito apresentarem defesa de autuação.

 
 
 
 
 
 
 


Autor: Marco Antonio Portugal
Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil, sendo 19 deles em uma das dez maiores empresas do setor no Brasil, onde atuou como responsável por projetos de desenvolvimento estratégico, além da posição como gestor de Custos e Controle e de outras áreas. Professor do MBA em gestão de projetos da BBS Angola desde 2019. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI. Autor dos livros; Bússola de Gestão para a Construção Civil e Como Gerenciar Projetos de Construção Civil.

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