Arte no espaço público e os problemas a serem evitados

Imaginemos a seguinte situação. Você habita em um condomínio. Em certo momento, ao circular pelas áreas comuns, você se depara com uma estátua cuja aparência não lhe agrada nem um pouco.

Essa estátua teria sido colocada pela comissão do condomínio, com o propósito de tornar o ambiente visualmente mais atraente. Isso seria permissível?

Pelas regras comuns, não. Em geral, as convenções de condomínio estipulam a necessidade de votação em assembléia com representação integral dos condôminos para aprovar alterações na decoração das áreas comuns. Algo nesse sentido.

Então, por quê nas cidades isso seria diferente? 

O que é arte?

Arte pode ser definida com sendo a expressão humana simbólica a respeito de algo, efetuada por meio de formas, desenhos, esculturas, pinturas, representações musicais ou textuais, pela dança, teatro ou cinema.

Uma arte não deixaria de ser, portanto, um meio de comunicação. 

Toda comunicação tem um propósito e um público alvo para o qual se destina. Eis aqui que surge o primeiro problema com a arte no espaço público.

Quando há exposição de algo em local aberto, um local público, não há controle sobre quem terá acesso ao conteúdo exposto. Tal exposição pode agradar, ou não, a maior parte das pessoas que, de forma involuntária, acabarão por ter que visualizar ou escutar tal exposição.

Isso é muito diferente de quando a arte é exposta em um museu, ou um teatro. Em espaços fechados, de acesso pago ou gratuito, é o público que vai até a arte, e não a arte que corre atrás do público.

Essa diferenciação caracteriza de forma marcante boa parte da arte no espaço público. Por não conseguir se expor em espaços fechados, sejam esses públicos ou privados, essa arte invade o espaço público, onde se expõe clandestinamente. Arte, diga-se, de qualidade duvidosa, pois se tivesse qualidade certamente haveriam espaços fechados que se interessariam em expô-la.

Eis que aqui, na linha tênue que separa a liberdade de expressão de um ato ilícito de manifestação, temos o segundo problema com a arte no espaço público.

Quando arte não é arte

Tudo bem, gosto não se discute. Contudo, uma característica marcante, inquestionável, é a qualidade da arte que se faz presente no espaço público das cidades. Vão desde pichações de muros e de paredes, denominadas por grafite, até cantores desafinados invadindo o ambiente com seus equipamentos de áudio ensurdecedores.

Isso até pode ser arte, mas boa parte dela certamente não renderia bilheteria.

É verdade que uma parte dos responsáveis por essas artes não possuem interesse financeiro. O fazem por lazer, por diversão. Alguns até, por desafio, como arriscar-se ao pichar o alto de um edifício sem ser pego (e sem perder a vida).

Também há boa arte no espaço público, contudo, essa infelizmente acaba por ser contaminada e perdida pelo próprio meio em que se propaga. 

Mas o perigo maior, e vimos isso se intensificar nos tempos mais recentes, é a arte no espaço público ser utilizada, direta ou indiretamente, como manifesto político. Para tanto, ocorrem as duas situações, manifestos de apoio ou de crítica a alguma causa ou governo.

Uma onda de protestos ocorrida em 2020 perseguiu estátuas consideradas de ligação com colonialistas e com a escravidão. Um desses casos foi a estátua do navegador Cristóvão Colombo, derrubada em Baltimore, nos Estados Unidos.

Boa parte desses manifestos, que destroem ou criam arte, são clandestinos. Aliás, a clandestinidade é a principal característica de uma arte em espaço público. 

E aqui chegamos no segundo grande problema, a ‘falsa arte’, aquela encomendada por ente público ou privado, ou por ambos, mas sempre com apoio público, para expor-se oficialmente em espaço público com viés totalmente político. 

O ente público envolvido e que financia tal arte, seja no mínimo por autorizar sua exposição, exime-se de envolvimento do conteúdo de tal arte, afinal, do contrário, estaria cerceando a liberdade de expressão. Esse é o grande pretexto.

Contudo, reconheçamos, esse agente público sabe e concordo com o conteúdo da arte, do contrário, não autorizaria sua exposição.

Arte como mobiliário urbano

Ao menos não vemos uma arte em espaço público, seja ela uma arte clandestina ou uma autorizada que contenha algum tipo de manifesto político, durar por muito tempo. Esse é a segunda característica de uma arte em espaço público, ela possui data de validade.

Como forma de expressão, a arte ‘dialoga’ com o meio, e esse meio, a comunidade que foi invadida, cedo ou tarde acaba por repeli-la.

Isso é diferente da arte em espaço público destinada a incorporar-se ao mobiliário urbano. Tratam-se na maior parte por esculturas, implantadas de modo oficial e permanente.

A arte colocada como mobiliário urbano, em tese, possui aceitação da sociedade. A sua instalação é aprovada pelo legislativo de um município, e esse representa a totalidade da comunidade. Temos, assim, não meramente uma arte em espaço público, mas sim legitimamente uma arte pública.

A arte em espaço público, com o tempo, volta para seu proprietário ou é destruída, já a arte pública é do povo e sua exposição é permanente.

A arquitetura e seu diálogo com a cidade

Essa certamente é a arte mais desafiadora para o agente público. Em geral instalada em ambientes privados, sua exposição torna-se inevitavelmente pública.  

Os municípios exercem, de certo modo, algum controle sobre as construções nas áreas privadas por meio dos códigos de edificações e das leis de zoneamento que regram a ocupação do solo urbano. Entretanto, as maiores preocupações estão no volume da construção e nos seus efeitos sobre a circulação local.

Não há do agente público uma avaliação exata do efeito da arquitetura sobre o meio ambiente urbano. E mesmo quando há essa avaliação, as decisões são administrativas e raramente técnicas, portanto, não possuem representatividade pública. 

O impacto da arquitetura sobre o meio ambiente urbano não se restringe ao estético. O edifício Walkie-Talkie, como é conhecido em Londres, na Inglaterra, ‘derreteu’ um carro estacionado na rua pelo reflexo de sua fachada curvilínea de vidro.

Edifico em Londres

Pode-se considerar também que, a depender do ângulo, esse mesmo edifício não deve agradar aos turistas que contemplam outras arquiteturas que a cidade oferece. 

Nessa mesma linha, outro caso emblemático e de conhecimento mundial é a Torre Montparnasse em Paris, na França.

A construção é odiada pela maior parte dos parisienses devido a sua altura, peculiar para uma cidade que possui como padrão construções com no máximo seis andares ou o equivalente a 37 metros de altura, padrão estipulado desde o século XIX pelo Barão Haussmann, responsável pela grande transformação urbano de Paris tal qual é conhecida até hoje.

Isso sem deixar esquecido o caso da Torre Eiffel, também na Paris do século XIX. A sua construção passou de uma arte no espaço público, que seria desmontada passados vinte anos da Exposição Universal de 1889 para qual sua construção fora encomendada, para uma arte pública mais visitada no mundo.

Conclusão

Definitivamente, não há resultado que possa agradar a todos. Novamente, gosto não se discute. Tratando-se de arte em espaço urbano, de arte urbana e da arquitetura em geral, o que pode e deve ser evitado é o peculiar, o inovador com propósito apenas de ser diferente, de chamar a atenção e, principalmente, o que não possuir interesse ao público em geral. 

 

 



Autor: Marco Antonio Portugal
Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil, sendo 19 deles em uma das dez maiores empresas do setor no Brasil, onde atuou como responsável por projetos de desenvolvimento estratégico, além da posição como gestor de Custos e Controle e de outras áreas. Professor do MBA em gestão de projetos da BBS Angola desde 2019. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI. Autor dos livros; Bússola de Gestão para a Construção Civil e Como Gerenciar Projetos de Construção Civil.

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