Arquitetura hostil depende de lei para ser coibida?

Arquitetura hostil ganhou uma lei, que previa coibi-la. Entretanto, o Presidente da República vetou-a.

Esse é o fim, ou não, de um enredo no mínimo patético. Talvez provavelmente poderemos ter alguns capítulos finais, ao tentarem derrubar o veto presencial. A acompanhar.

Contudo, é oportuno resgatar os primeiros capítulos dessa série, ainda por receber uma classificação. Terror, comédia, policial, drama…

Origem e justificativas

O trabalho parlamentar resultou no texto final do Projeto de Lei n.º 488-C de 2021.

O projeto visa alterar a Lei n.º 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), para vedar o emprego de técnicas
construtivas hostis em espaços livres de uso público.

Essa norma ganhou o nome de “Lei Padre Júlio Lancelotti”.

Em 2021, o padre paulistano, que atua junto aos moradores em situação de rua na cidade de São Paulo, chamou a atenção por um vídeo em que tentava quebrar estacas pontiagudas de concreto instaladas pela prefeitura sob um viaduto.

Esse tipo de instalação, que visa impedir a ocupação de áreas por moradores de rua, seria uma das classificadas como arquitetura hostil.

Assim, a proposta incluiria no texto do Estatuto da Cidade o seguinte:

“XX — promoção de conforto, abrigo,
descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos
espaços livres de uso público, de seu mobiliário e
de suas interfaces com os espaços de uso privado,
vedado o emprego de materiais, estruturas,
equipamentos e técnicas construtivas hostis que
tenham como objetivo ou resultado o afastamento de
pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros
segmentos da população.”

Em síntese, o veto ocorreu devido, primeiro, a norma poder interferir na autonomia da gestão pública municipal e, segundo, pelo emprego da expressão ‘técnicas construtivas hostis’ que não possui um conceito legal atribuído.

Um passado não muito distante

Falando da cidade de São Paulo, a ‘moda’ de fechar espaços públicos deve ter um pouco mais de 30 anos.

Uma pesquisa aprofundada poderá confirmar, porém, a lembrança traz que os gradis começaram a surgir na gestão do prefeito Jânio Quadros, de 1986 até 1988.

As instalações ganhariam força na gestão seguinte, da prefeita Luiza Erundina (1989 – 1993).

Antes disso era possível, por exemplo, adentrar no Parque da Independência, onde se encontra o Museu do Ipiranga, sem depender de horário da abertura de portões.

Arrisco a dizer que o Parque do Ibirapuera também já foi ‘livre’.

Ainda restam bons exemplos pelo Brasil afora de belos espaços públicos sem cercados, como o Parque Farroupilha, em Porto Alegre e o Parque Barigui, em Curitiba.

Entretanto, o Farroupilha já teve debatido o seu fechamento, quando efetuaram até um plebiscito.

Essa discussão se arrasta desde 2015 e ganhou um novo capítulo agora, em 2022, com a realização de audiência públicas e previsão de transferência da administração do parque para iniciativa privada em 2023.s

Curitiba é a cidade que traz os melhores exemplos de praças e parques bem cuidados, sendo a maioria deles, abertos.

Voltando para São Paulo, em 2013, cogitou-se até cercar o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Av. Paulista, como o intuito de preservá-lo.

Logo à sua frente temos o Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Parque Trianon ou Parque do Trianon, que também é todo cercado.

Vítimas recentes

A Praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiros, conhecida como Praça Pôr do Sol, localizada no bairro de Pinheiros, em São Paulo, permanece cercada desde 2020.

O que era provisório, sob a alegação de evitar que em época de pandemia frequentadores se aglomerassem no local, ganhou um upgrade e permanece cercada, até hoje.

Também recentemente houve o fechamento da Praça Princesa Isabel, nos Campos Elísios. Nesse ano a praça foi renomeada para parque. O mesmo deverá ocorrer com a Praça Pôr do Sol.

Tamanho não é problema

Em São Paulo encontram-se até praças menores fechadas, no ‘miolo’ de bairros.

Uma delas é a Praça General Polidoro, no bairro Aclimação. Ali perto, outra praça, a Praça Jorge Cury, ainda resiste a arquitetura hostil de gradis verdes e portões com cadeados.

Da mesma forma, o Parque da Aclimação, conhecido parque do bairro, também é todo cercado.

Alegações para arquitetura hostil

Primeiramente, voltemos ao objetivo da lei vetada.

O fechamento de áreas públicas tem por alegação principal evitar que moradores de rua ocupem esses locais para ‘moradia’.

Porém, há outros problemas ainda maiores que afetam esses espaços, como a violência, o vandalismo e as drogas.

No caso da Praça Princesa Isabel, por exemplo, o local foi tomado por utilizadores de drogas, grupo de nômades que acabam por batizar de “cracolândia” os locais em que se concentram.

Não é incomum os baixos de viadutos serem ocupados por moradores de rua, locais onde a prefeitura costuma implantar pedras pontudas, plantas espinhosas ou cercar com gradis.

Assim, a lei impediria os fechamentos dessas áreas, para que não se retirasse a condição dos moradores de rua buscarem abrigo nesses locais.

Evidentemente, isso não resolve a questão.

Ou seja, desnecessária uma lei para coibir a tal da arquitetura hostil, isso porque essas áreas, mesmo que mantidas abertas, acessíveis, jamais deveriam ser ocupadas desse modo que se pretende defender.

Ao contrário de apenas oferecer certo ‘conforto’ para quem se vê em situação de rua, o que se deveria buscar é uma real solução para o grave problema das pessoas nessa condição.

De mesmo modo, devem ser vistos os demais problemas que ganham, na limitação ao acesso desses espaços, uma solução paliativa.

Novamente, fechar, gradear, enfeiar, não resolve. Até mesmo porque já se tornou comum em São Paulo encontrar barracas de moradores nas calçadas e nos canteiros centrais de avenidas.

Alguns trechos de calçada da Av. Paulista são exemplos desse ocorrido, onde, sequer haveria como empregar qualquer ‘solução’ de arquitetura hostil.



Autor: Marco Antonio Portugal
Mestre em Gestão da Inovação e Engenheiro Civil pelo Centro Universitário da FEI, com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV, MBA Executivo em Administração pelo Ibmec e MBA em Administração pelo Centro Universitário da FEI, possui mais de 25 anos de experiência no setor de Construção Civil, sendo 19 deles em uma das dez maiores empresas do setor no Brasil, onde atuou como responsável por projetos de desenvolvimento estratégico, além da posição como gestor de Custos e Controle e de outras áreas. Professor do MBA em gestão de projetos da BBS Angola desde 2019. Possui certificação como Project Management Professional – PMP® pelo Project Management Institute – PMI. Autor dos livros; Bússola de Gestão para a Construção Civil e Como Gerenciar Projetos de Construção Civil.

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